Nunes cresceu jogando em um campinho no fim da rua sem saída onde morava sua família. O assovio da avó era o chamado, fosse para almoçar, jantar, fazer as tarefas de casa ou comprar verduras na venda, tudo realizado prontamente, sem reclames ou questionamentos. Um amigo seu um dia perguntou porque ele aceitava e fazia tudo tão corretamente, na hora. Nunes sem entender a pergunta, mas respondendo com precisão, rebateu, são eles que me criam e me dão casa, comida e roupa, posso fazer pouco por enquanto, mas tenho o que fazer, aliás, gosto muito de todo mundo, vovó, o véi, minha mãe, do pai, e dos moleques, um dia vou criar os meninos e eles vão pra escola boa. O amigo ficou satisfeito com a resposta e rebolou a bola no peito do desprevenido Nunes, que num reflexo físico estudado fazia anos, abafou a pelota num encolhimento do tronco e a rolou corpo abaixo até ser aparada pelo peito do pé, dois segundos de equilíbrio e devolveu no peito do colega que abaixou os joelhos e cutucou de ombro para a cabeça de Nunes, ele abaixou o corpo e tentou bater de calcanhar sem olhar para trás. Meteu um chute na canela do pai que vinha passando e ia tentar roubar a bola do filho de surpresa. O seu pai trabalhava de roupeiro em um time e era o maior contador de crônicas futebolísticas do bar da rua. Crente, não bebia, mas não perdia uma partida de sinuca por nada, não apostava, deixava a ficha para o próximo, se conseguissem tira-lo da mesa. Bebia suco de laranja e guaraná, vez ou outra roubava um cigarro picado do maço que ficava na registradora do balcão e se escondia nos fundos do bar. Dava duas baforadas e a memória vinha feliz. Bons tempos de cachaceiro mulherengo. Mas começou a cair pelas tabelas e a esposa, por intermédio do irmão, o levou para trabalhar no time e lá ele se ajeitou e, influenciado por um dos craques, passou a freqüentar a igreja.
Nunes quase desaba de rir do pai com as mãos na canela, buscou a bola no portão do vizinho e deu na mão do coroa, que recuperado experimentou umas embaixadas, chamando o filho para a peleja ajustando a bola com a canhota, apenas com o dedão do pé levemente encostado ao lado dela. Nunes aproximou-se decidido, em passos largos entrou centralizando a defesa. Dedão rapidamente empurrando a bola para a direita, pé passando por cima, e a volta da bola para a esquerda num toque de final explosivo, mas preciso, o elástico estava dado, e Nunes se virou observando o velho correr para os chinelos que estavam no chão servindo de gol da pelada dele e do amigo. Gol do pai. Felicidade de Nunes, orgulho e vergonha confundidos, compartilhados.
Pouco tempo depois daquilo o pai faleceu. Nunes afundou em depressão e largou a bola. Um dia foi a um show de samba, convite de amigos que tentavam animá-lo, tocou primeiro o Martinho, ficou sentado, reparou ligeiramente em uma morena, mas o pensamento o arrastou de volta, depois veio a Beth, e o incomodo piorou, todo mundo muito feliz, e ele só lembrava do pai correndo para o gol. Mais tarde, João Nogueira já tocava os acordes finais, ouviu um violão triste e a letra falando dele, do pai, a sua vida vindo na lembrança, ficou feliz por um tempo, mas logo a música o carrega, “Num dia de tristeza me faltou o velho/ E falta lhe confesso que ainda hoje faz/ E me abracei na bola e pensei ser um dia/ Um craque da pelota ao me tornar rapaz/ Um dia chutei mal e machuquei o dedo/ E sem ter mais o velho pra tirar o medo/ Foi mais uma vontade que ficou pra trás”. Ouviu a música com atenção, o nó crescendo na garganta, a cabeça parecia inchar, o mundo lhe saindo pelos olhos, terminada a música, correu. Ninguém o alcançou.
Dia seguinte estava em frente à sede do time, pouco tempo depois era titular. Em casa, a foto do pai no Maracanã vestindo o manto, muito sorridente ainda com o copo de cerveja na mão, exigência da mãe. Exigência de Nunes.
Tornou-se ídolo e marcava seus gols. O time era um sonho, e ganhar o Campeonato Brasileiro parecia realidade, era possível. Mas o jogo de ida foi duro e eles perderam. No jogo de volta os dois times fizeram uma partida emocionante, empataram em dois a dois no segundo tempo. Estádio lotado, tomado pela emoção, Nunes disparou rumo a lateral esquerda e recebeu um belo passe, lançamento longo, chutou em cima do zagueiro e a bola voltou correndo para a linha de fundo, Nunes parou de frente para o defensor e o mundo silenciou em sua cabeça, pareceu uma eternidade o que se passou em uns dois segundos. Lembrou do velho, do drible que tomou no dia em que chutou a canela do pai. Olhou para cima, fitou o jogador adversário como se fosse lançar, mas deu o drible para a esquerda, com a perna direita tocou para dentro, com o mesmo efeito de um elástico e deixou o marcador para trás, correu em direção ao gol, arrumou em um toque a bola e de bico desferiu o gol do título. O mundo gritava seu nome, e ele o do seu pai.
Nunes quase desaba de rir do pai com as mãos na canela, buscou a bola no portão do vizinho e deu na mão do coroa, que recuperado experimentou umas embaixadas, chamando o filho para a peleja ajustando a bola com a canhota, apenas com o dedão do pé levemente encostado ao lado dela. Nunes aproximou-se decidido, em passos largos entrou centralizando a defesa. Dedão rapidamente empurrando a bola para a direita, pé passando por cima, e a volta da bola para a esquerda num toque de final explosivo, mas preciso, o elástico estava dado, e Nunes se virou observando o velho correr para os chinelos que estavam no chão servindo de gol da pelada dele e do amigo. Gol do pai. Felicidade de Nunes, orgulho e vergonha confundidos, compartilhados.
Pouco tempo depois daquilo o pai faleceu. Nunes afundou em depressão e largou a bola. Um dia foi a um show de samba, convite de amigos que tentavam animá-lo, tocou primeiro o Martinho, ficou sentado, reparou ligeiramente em uma morena, mas o pensamento o arrastou de volta, depois veio a Beth, e o incomodo piorou, todo mundo muito feliz, e ele só lembrava do pai correndo para o gol. Mais tarde, João Nogueira já tocava os acordes finais, ouviu um violão triste e a letra falando dele, do pai, a sua vida vindo na lembrança, ficou feliz por um tempo, mas logo a música o carrega, “Num dia de tristeza me faltou o velho/ E falta lhe confesso que ainda hoje faz/ E me abracei na bola e pensei ser um dia/ Um craque da pelota ao me tornar rapaz/ Um dia chutei mal e machuquei o dedo/ E sem ter mais o velho pra tirar o medo/ Foi mais uma vontade que ficou pra trás”. Ouviu a música com atenção, o nó crescendo na garganta, a cabeça parecia inchar, o mundo lhe saindo pelos olhos, terminada a música, correu. Ninguém o alcançou.
Dia seguinte estava em frente à sede do time, pouco tempo depois era titular. Em casa, a foto do pai no Maracanã vestindo o manto, muito sorridente ainda com o copo de cerveja na mão, exigência da mãe. Exigência de Nunes.
Tornou-se ídolo e marcava seus gols. O time era um sonho, e ganhar o Campeonato Brasileiro parecia realidade, era possível. Mas o jogo de ida foi duro e eles perderam. No jogo de volta os dois times fizeram uma partida emocionante, empataram em dois a dois no segundo tempo. Estádio lotado, tomado pela emoção, Nunes disparou rumo a lateral esquerda e recebeu um belo passe, lançamento longo, chutou em cima do zagueiro e a bola voltou correndo para a linha de fundo, Nunes parou de frente para o defensor e o mundo silenciou em sua cabeça, pareceu uma eternidade o que se passou em uns dois segundos. Lembrou do velho, do drible que tomou no dia em que chutou a canela do pai. Olhou para cima, fitou o jogador adversário como se fosse lançar, mas deu o drible para a esquerda, com a perna direita tocou para dentro, com o mesmo efeito de um elástico e deixou o marcador para trás, correu em direção ao gol, arrumou em um toque a bola e de bico desferiu o gol do título. O mundo gritava seu nome, e ele o do seu pai.