
Nasci e fui criado em Brasília, tenho uma estreita relação com a cidade, conheço seus atalhos e sei contar dezenas de buracos de coruja espalhados pelas tesourinhas da capital. Minha família veio do Piauí, meu pai chegou aqui para se formar e, enquanto fazia universidade, estudou violão. Ficou bom no negócio. E durante os anos setenta até seu retorno para Teresina em 1988, sempre tocou em rodas de samba e choro nos botecos da cidade. Lembro de um em especial, o Bar do Zé na 504 Norte. Lá cresci ouvindo bambas, tomando Coca e dormindo no carro estacionado estrategicamente na porta do bar.
Brasília teve grande influência carioca em vários aspectos, mas assombrosamente tornou-se um celeiro de grandes músicos de samba. Os funcionários públicos que migraram para a cidade de Juscelino trouxeram seus instrumentos na bagagem. Trouxeram mais que isso, todo um conhecimento, uma cultura de rua, de terreiro. O Samba.
O Clube do Choro esse ano completa 30 anos. E entre os músicos famosos, os compositores geniais que fizeram parte de sua formação, estão tantos outros que das ruas fizeram seus terreiros e seus pagodes, lá estavam os amigos do meu pai tocando samba e choro, e ainda misturando ritmos nordestinos trazidos com eles. Lá estava eu, criança, assistindo a tudo. Aprendendo meu pandeiro com o Mestre Pernambuco. E participando sem saber da criação de um templo da música popular brasileira. O Clube do Choro. Acreditem, tem até filme de algum jornal local comigo tocando pandeiro, suava em bicas tentando acompanhar aqueles cobras.
O Clube do Choro reapareceu depois de problemas que não conheço bem. Parei por um tempo, depois que o velho se foi. Sabe aquele samba do João Nogueira, Espelho, pois é. A reabertura institucionalizou e profissionalizou a gestão do Clube e o Reco do Bandolim tornou-se figura reconhecida pelo seu esforço em manter e ampliar o Clube do Choro.
Mas onde eu queria mesmo chegar é na renovação que vem acontecendo de uns anos para cá. Hamilton de Holanda sempre tocou, desde menino mostrava intimidade com seu instrumento e com o choro, cabra bom! Mas faltava algo, número. A geração deu um salto, porque o samba entre os jovens daqui estava adormecido, guardado na alma, mas não executado nas mãos. Tudo um dia desperta, acredito, e hoje vemos nas ruas da cidade o samba novamente ser tocado nos botecos, nos restaurantes, nos encontros de amigos, nas festas, nos shows. Há uma exclusiva escola de Choro na cidade que descobre novos talentos e reintegra garotos e garotas na cultura musical brasileira. Há casas noturnas que se especializaram em repertórios musicais brasileiros, DJ´s que se dedicam a pesquisa da nossa música. Tudo isso com um público fiel, com rodas brotando pela cidade, o samba se reproduzindo e se recriando. A nova cara do velho choro, nome de disco do Dois de Ouro que explica bastante o que vem acontecendo por aqui.
Para não parecer injusto, o samba nunca parou de fato. No Cruzeiro, pedaço de terra fértil nos momentos de secura do plano piloto, talvez o mais carioca dos “bairros” brasilienses, o samba sempre esteve presente. Certo é que se aproximou do pagode modista, mas sempre valorizou o pagode de fundo de quintal, o verdadeiro samba de terreiro. Mas são novos tempos, na minha modesta opinião, e pela música a cidade diminui suas distâncias, cresce sua família, quando sentam nas rodas seus irmãos.
PS: O desenho ilustrando o texto foi feito a algum tempo. Havia a possibilidade de se fazer uma festa que teria apenas músicas dos nossos pais. MPB. E que explicasse o nosso gosto pelo som feito na nossa história. Algo como "Ei, eu estava ouvindo!".
Tinha uma vitrola lá em casa que quase nunca parava. Daí menino no traço tosco. Inté...