Todas as manhãs punham os barcos na água. Ainda madrugada, o time de futebol inteiro juntava-se para organizar as redes, verificar as velas e saia rumo à barra do rio, ao sabor dos ventos. A visão do mar sempre alegrava o Tio Leandro, desde menino fazia aquilo, sorria na saída do rio, todos os dias de sua vida, exceto aos domingos, dia guardado pela sua mãe para a missa e, copiando seu pai, vestia a calça social, a camisa de botões, a sandália mais nova e caminhava para a igreja. Não podia ouvir os sacros acordes finais nos teclados do velho Hammond B3, tocado pela Dona Maria da Dores, carola temida por todos os meninos, seus beliscões eram famosos e as mães sempre lhe davam razão. Corria para casa para tirar a roupa e vestir o calção.
O campinho, para o Tio Leandro, sempre existira. Na verdade, seu pai e tios foram os que derrubaram as árvores, cortaram mato e arrancaram tocos, para depois baterem a terra até a firmeza, permitindo o rolar tranqüilo da bola de couro. A encomenda era feita anualmente pelo Seu Tonho, dono da mercearia da cidade, velho aleijado pela paralisia, mas que adorava assistir aos jogos, levava o radinho de pilha e acompanhava os campeonatos estaduais pela Rádio Nacional, em prantos de tanto rir da comparação entre a narração e o que assistia ao vivo lá no campinho. Inclusive era ele quem costurava eventuais rasgos na pelota, o que o contrariava um pouco, mas quando alguém falava que o chute fatal havia sido desferido por Tio Leandro perdia a cara amarrada e costurava a pelota com certo orgulho. Tio Leandro era famoso por ter um chute potente, muito goleiro amargou dores por entrar na frente da bola, alguns nem tentavam a defesa, plantavam os pés e rezavam para o tiro passar ao lado. Corria pela esquerda. Seus passes milimétricos faziam que todos rezassem para entrarem em seu time, fazer gol era mais fácil com ele lançando e o dia de glória passava por seus pés. O gol praticamente era dele, mas estufar as redes... Bem, não havia redes, o time adversário tinha que buscar a bola no fundo do terreno. Mas fazer o gol dava o privilégio de ganhar sorvete do Seu Tonho e contar alguma vantagem.
Tio Leandro cresceu gostando de bola e de mar. Jamais saiu da sua cidade. Continuou jogando no campinho. Ensaiava ser técnico dos meus colegas de escola, mas na verdade torcia por todo mundo, gostava do jogo. Herdou a mania de Seu Tonho de se divertir com as narrações da Rádio Nacional regidas pelas nossas peladas desorganizadas. E sorria largo quando uma troca de passes bem feita ou um lançamento preciso resultavam em gol. O mesmo sorriso que ele tinha quando o barco atravessava a barra e ele e seus colegas de futebol e trabalho saiam para a pescaria.
Hoje o peixe é pouco, a gente não trabalha mais no mar. O sorriso de Tio Leandro apenas me lembro dele, quando papai me levava junto para aprender a profissão eu reparava naquele olhar perdido no horizonte e o canto da boca levantada, achando graça de alguma coisa. Ele me via observando, pegava no colo e me colocava em cima das redes para eu olhar também.
O campinho, para o Tio Leandro, sempre existira. Na verdade, seu pai e tios foram os que derrubaram as árvores, cortaram mato e arrancaram tocos, para depois baterem a terra até a firmeza, permitindo o rolar tranqüilo da bola de couro. A encomenda era feita anualmente pelo Seu Tonho, dono da mercearia da cidade, velho aleijado pela paralisia, mas que adorava assistir aos jogos, levava o radinho de pilha e acompanhava os campeonatos estaduais pela Rádio Nacional, em prantos de tanto rir da comparação entre a narração e o que assistia ao vivo lá no campinho. Inclusive era ele quem costurava eventuais rasgos na pelota, o que o contrariava um pouco, mas quando alguém falava que o chute fatal havia sido desferido por Tio Leandro perdia a cara amarrada e costurava a pelota com certo orgulho. Tio Leandro era famoso por ter um chute potente, muito goleiro amargou dores por entrar na frente da bola, alguns nem tentavam a defesa, plantavam os pés e rezavam para o tiro passar ao lado. Corria pela esquerda. Seus passes milimétricos faziam que todos rezassem para entrarem em seu time, fazer gol era mais fácil com ele lançando e o dia de glória passava por seus pés. O gol praticamente era dele, mas estufar as redes... Bem, não havia redes, o time adversário tinha que buscar a bola no fundo do terreno. Mas fazer o gol dava o privilégio de ganhar sorvete do Seu Tonho e contar alguma vantagem.
Tio Leandro cresceu gostando de bola e de mar. Jamais saiu da sua cidade. Continuou jogando no campinho. Ensaiava ser técnico dos meus colegas de escola, mas na verdade torcia por todo mundo, gostava do jogo. Herdou a mania de Seu Tonho de se divertir com as narrações da Rádio Nacional regidas pelas nossas peladas desorganizadas. E sorria largo quando uma troca de passes bem feita ou um lançamento preciso resultavam em gol. O mesmo sorriso que ele tinha quando o barco atravessava a barra e ele e seus colegas de futebol e trabalho saiam para a pescaria.
Hoje o peixe é pouco, a gente não trabalha mais no mar. O sorriso de Tio Leandro apenas me lembro dele, quando papai me levava junto para aprender a profissão eu reparava naquele olhar perdido no horizonte e o canto da boca levantada, achando graça de alguma coisa. Ele me via observando, pegava no colo e me colocava em cima das redes para eu olhar também.
3 comentários:
Belo e maravilhoso texto! Parabéns!
futebol e vida. fragmentos de vida. memória afetiva. vida vivida e sentida. que bom pulsar, sentir, vibrar, viver. viver lembranças e presente. que presente....
reli hoje. acho que esse futebol que você descreve eu gosto pois é cheio de vida, ilusões, crenças, aprendizado, memória. gosto sim, até porque acredito que você acredita que ele ainda exista. e existe sim pois é real na sua memória. me lembra o ano que meus pais sairam de férias....
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